Tal como o cubismo polifacetado em uma só dimensão, ela era o traço do desespero em tela de canvas. Perspectiva ampla e ao mesmo tempo perspectiva nenhuma -- mais ou menos como aquela linha tênue entre tudo e nada. Sentava no canto da sala, no canto das coisas, de onde obtinha completa observação e o recurso da periferia. Cruzou as pernas sobre a cadeira e se apoiou no livro aberto, alheia ao mundo e sabendo que ele não poderia sumir assim. Faca de dois gumes, e até lhe agradava a ideia do estranhamento. Imagens de flores escuras em meio a um campo russo de girassóis vinham à mente. Criava em torno de si uma aura oblíqua, de vagas em mar cor de chumbo. Nas pernas de índio esperou até a última chamada para fechar o livro e botar os pés no chão. O homem desceu de seu pequeno pedestal, deu uns passos para mais perto da menina, talvez por gostar de flor escura ou daquela aura de vaga em mar de chumbo. Pronto, e ela explodia como num auge de mazurka. Feliz pelas vagas funcionarem e com medo da iminente ultrapassagem da barreira do platonismo. Medo, sim senhor, cubismo em desespero juvenil. Sentia que os peixes no mar de chumbo nadavam só lá no fundo, onde humano não chega. O homem avançou a linha a fim de ver o livro que a fazia contorcer sobre o assento. Mazurka e um-dois-três, tá-tá-tá, tá-tá-tá, tá-tá-tá, tá-tá-tá... A menina fez em ato reflexo rosto assustado, pronto e repelente, olhar aflito gritante. Ação e reação: o azul dos olhos do homem brilhava, todo aberto, surpreso com a frieza da menina esquiva. Quanto a ela, deu por si em frações tardias de segundo.
- Só queria ver o que estava lendo, ele soltou, como quem se desculpa por violação estrangeira.
Ela assentiu, lançando mão de todo o esforço facial para reaver a aura de vaga de chumbo, desfazer a desfeita. O livro, guardado; bufou para si mesma em martírio latente. Agora fugia para um noturno. Não curava seu ar afobado e não sabia se no fim das contas o homem tinha visto o título ou, quem sabe, o autor. Ela era assim, entre semibreve e semifusa, num salto variável, prezava a perfeição do desconhecido e justamente por isso moldável. A aula seguiu, se já não havia começado. Cegava a fumaça, caía o prato.
Perfeito!
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