[ trechos de Adília Lopes, Antologia Poética,
para ler com a voz em Portugal:
Eu julgava que aquilo era
um Luna Parque
saía-se como se entrava
e não acontecia nada irreversível durante
é o que é um Luna Parque
quando se é adolescente
mas não
quando dei por mim
já lá estava dentro
e não me lembrava
de ter entrado
quando disse agora quero-me
ir embora
riram-se ah minha rica
deste Luna Parque não se sai
quem cá vem não volta
não se volta atrás
então comecei a pensar
que ia passar o resto dos meus dias
no Luna Parque
acabas por aprender vais ver
a fazer das tripas coração
habituas-te vais ver
nos primeiros tempos dói
dá vontade de vomitar
depois percebe-se que
no Luna Parque que é
um sítio triste
pode não se ser triste
sai muito caro
mas poder pode-se
*
A minha Musa antes de ser
a minha Musa avisou-me
cantaste sem saber
que cantar custa uma língua
agora vou-te cortar a língua
para aprenderes a cantar
a minha Musa é cruel
mas eu não conheço outra
*
tu dizes que não tens remorsos nenhuns
porque dizes que és um vil criminoso
para mim
eu também sou uma vil criminosa
mas não para ti
desconfio que tens o remorso
de ter alguns remorsos
por me teres feito mil maldades
e uma maldade muito grande
a maldade muito grande está feita
e não se faz
acho que essa maldade muito grande
nos aproximou um do outro
em vez de nos afastar
mas para mim é um drôle de chemin
e para ti também deve ser
mas com um vil criminoso nunca se sabe
*
escrevia os teus ossos e os teus olhos
evito escrever
e vivo como escrevo
*
Por que precipícios e abismos
andou Maria Cristina
para conseguir aquela fotografia?
*
Pois passara noites e noites a sonhar
que não se conseguia acabar de vestir
nunca
*
Ah quem me dera um vestido
que me queimasse
*
Quem me dera uma morte
como a de Don Juan
ah uma mão que me puxasse
para o escuro
*
Maria Cristina espera
por Guilherme
mesmo quando não tem
nenhum encontro marcado
com ele
*
Podia ser muito feliz
se não fosse muito infeliz
*
Maria Cristina cansa-se
a contar anedotas
ou a sua vida
a si mesma
*
Minha querida Cristininha
há horas difíceis
como dizem os cauteleiros
ou os Tampax
*
Afinal não queria matar Guilherme
queria salvá-lo de morrer afogado
dando por ele a vida
numa troca complicada de reféns
*
Tem frio
um frio muito fino
*
Chamo-te Maria Cristina
como te chamas, Maria Cristina?
*
Talvez que tudo se deva
a ter passado o dia
com um sapato de verniz apertado
*
Tempo de foder
tempo de não foder
saber gerir
os tempos
compor
saber estar sozinha
para saber estar contigo
e vice-versa
aqui estão as minhas contas
do que foi
*
Eu no espelho
colada com cola
mais bela
do que dantes
como o prato Zen
que tem as fracturas
sublinhadas
com ouro
obra da fortuna
má e boa
obra da falta de afecto
e do afecto
Narciso e anti-Narciso
viver para crer
*
O poema
é mais emblema
que lema
no meu deixo
uma lesma
sempre a mesma
lesma é o meu lema
*
Por que não deixa de escrever
e passa a dizer Tchau?
*
Mesmo que pudesse
dizer tudo
não podia dizer tudo
e é bom assim
*
Os dias vão-se
eu não