sábado, 29 de setembro de 2012

MOTO CONTÍNUO

Passam as rodas e as pernas bambas
passam as dores
passa o meu sono e meu sorrir
passam os rostos sem rosto
as mulheres que dançam
o vento e as nuvens, tudo
todos os pés e os calos
passa a senhora sem futuro
o país sem passado
passam as engenhocas
o mundo moderno e atrasado
só o ônibus não passa
passam as formigas nos meus pés
passa o sol e o azul
os professores agitados
crianças, saudade, elas passam
os advogados de camisa e sapato
passa a lei na rua de pedra
o rugido - alarme falso - do caminhão
o choro do mundo e a poética
passa minha cabeça em viagens sem traço
mães e filhos, ternos e cartas
passam e como passam os carros
pretos, velhos, novos e vários
só o ônibus não passa
passam os pedreiros costurados
os motores e as cores, o verde
passam em mim palavras vacilantes
cabelos que brilham e sorrisos passam
os abraçados amantes
passa o grajaú, o ingá, o bandeira
passam os perdidos e se tropeçam
as pombas e os cantos em pontos
a fumaça e os relógios passam
meus minutos e olhares passam
passa o bando que ri e volta do almoço
o senhor com o leite na sacola
a polícia, o amor, a infância
só o ônibus não passa
os sons passam nas ruas, na cabeça
os ponteiros aqui e em moscou passam
a desgraça e os jovens de preto
os braços e o dinheiro passam
pela vida nossa e nossos olhos
as folhas e o lixo no chão
em frente aos pés que passam
desgraçados e mancos
passa o samba de outro tempo
um cachorro sem fome
a esperança, meu deus, passa
a política num papel amassado
retrato de um bom dentista
só o ônibus não passa

2 comentários: